quarta-feira, 22 de outubro de 2014

poema de gente

(“Sem joelhos, sem mãos, sem voz
Sardinhas, orai por nós”
George Fourest (trad. Aurélia Hu
e Adson Bozzi)


e queria
não mais fazer
(poemas)

não vê-los por onde passo
(!)

queria olhar para uma mulher
a cortar peixes
e ver apenas
uma mulher cortando peixes

olhasse pra ela e visse
só os peixes


(poema publicado no livro O segundo ponto das reticências, Edufac, 2007)
laranjas e fantas

eu te avisei!
...disse Mário com cara de Maria...
(como se houvesse menos multa
quando se buzina antes de passar o sinal)

avisou sim é verdade
mas queria não ser entendido
avisou só por desencargo
e isso não conta

disse que o ipê floria
que era amarelo

e só
disse que era desse jeito todos os anos,
e que não pensava em mudar

mas o ipê muda Mário
e sou eu
é que estou te avisando

há de nascer laranjas nele...

se não nascer eu mesma subo e prego umas garrafas de fanta

(poema publicado no livro O segundo ponto das reticências, Edufac, 2007)

quinta-feira, 31 de julho de 2014

As velhinhas

Sozinhas ou com um cachorro, um velhinho.
Roupas elegantes, estranhas, lilases
Pijamas

Gosto de ver as velhinhas
E mais ainda quando me veem
Encaram

No restaurante, a mocinha na mesa ao lado conta que trabalha vinte horas num só dia
A velhinha se mete:
- Minha filha, vá à praia. A vida passa.
A mocinha executiva olha. Mas não sorri
A velhinha ergue a cerveja e brinda.



(respiro)

No sábado verei o mar.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Não se sabe o motivo, nem se pergunta.
Uma vida inteira de frestas, de restos. Uma vida inteira de existência negada.
Então vem a morte e a tardia tentativa do vôo.
Barata Imunda.

Formiga quando quer morrer, cria asa. Quem disse foi minha avó.
E lá se vão horas de derriça com a vida de quem se mostra.
Duas vacas na janela.

Cristovão.
Discípulo do cão. Bicho ruim, com cara de quem podia.
Infeliz.


Jurema que me desculpe, mas isso é nome de cachaça.
Nem acho.


Hoje ouvi no rádio a história de uma Senhora que se formou aos 97 anos. A moça da rádio dizia o quanto achava aquilo bonito. E a Senhora contava alguma coisa de sonho.

Fiquei pensando na notícia. Todo dia, toda hora acontece algo bom, algum milagre, alguma coisa que compensa, mas a gente não ouve. Ou não contam.


E que louca seria uma pessoa que todos os dias contasse alguma cena maravilhosa que viu? 
Domingo, umas onze da manhã, um homem vestido com roupas simples dançava numa calçada. A música era aquela Happy, do Pharrell Williams e não sei muito bem se tocava numa padaria ou no carro estacionado. Sei que o homem dançava. Ele usava roupas muito simples, era velho e dançava.  Ao passar por ele, ensaiei a dancinha. Ele riu e dançou mais. Era um domingo de Zona Norte no Rio.  

Fiquei pensando nisso, nas pessoas que são felizes: parecem bêbadas ou malucas.
Tão finas e educadas
Não gritam com seus maridos
Engolem o choro, a raiva
Não discutem com o chefe
As mulheres caladas

Tão finas e educadas, não bebem, não riem alto
Evitam assuntos polêmicos
As boas mulheres caladas


Uma outra
Pomba gira desgrenhada
Bebe, dança, grita

Ah, nunca seria mulher calada

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013



  • Gosto muito de jambo
    Do vermelho, quase vinho
    Branquinho por dentro e com uma flor muito linda
    Você conhece jambo, Belarmino?
    Conhece?
    ... na casa da minha avó Alzira tinha um pé de jambo
    E arruda, tinha uma horta inteira de arruda.
    Toda vez que eu visitava a minha vó, ela me benzia
    O vô falava:
    De novo? Vai benzer essa menina de novo?
    ... Acho que a minha avó sabia que um dia ia dar no pé, ir se embora e me deixar aqui
    Nesse mundo
    Com pouca gente que entende de jambo