sábado, 29 de outubro de 2011

Uma vez Laura inventou uma personagem que era terapeuta. Seguro e bem humorado. E tinham, ela e ele, altos papos.
Depois, noutra cidade, em algum momento da jornada por aprender alguma coisa, fez análise.
Era lacaniano e se chamava José.
Com a análise aprendeu algumas coisas.
Conhecer uma pessoa requer tempo e paciência, e às vezes nem com tempo e paciência se consegue. Você pode falar meses de todas as coisas que fez na vida, e ninguém tirar nada que realmente te importe. Privacidade é outra coisa.

...

Achei um incensário velho que não sabia mais. Comprei outro por achar que mais um havia se perdido. Agora tenho dois.
Um fica na cozinha e outro na sala. Na cozinha acendi um incenso amarelo que trouxe de Porto Alegre. Não lembro do que é, mas tem cheiro bom.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Lembrei de um texto do Mário Prata que dizia sobre ser escritor. Que precisava talento e sorte.
Penso que pra tudo se precisa disso. Junto e misturado.
De nada adianta o talento sem a sorte. Que pode vir de conhecer a pessoa certa, de ter lido ou ouvido alguma coisa, ou ganho na loteria.
Mas a falta de sorte também pode ser boa.
A falta de sorte numa coisa pode te mostrar o talento em outra. E daí você foca, centra tuas forças nisso. E reza.
Nem sempre dá certo, ou dá certo por muito tempo. Mas há sempre aquele mini-segundo em que alguém se aproxima...
Você não sabe o motivo dele estar sorrindo.
Na verdade, você sabe exatamente o que fez pra merecer aquele sorriso, mas você está tão absorvido pelo próximo passo que quase não reconhece o que vê.
Deus, um cara alto e meio surfista, olha pra você e entra no mar.
Sorte é uma coisa que todo mundo tem.
Um casal briga na parada de ônibus ao telefone. Um deles briga. Ou outro não vemos. Pode estar noutra cidade, ou país. Ser homem ou mulher.
O que vemos é uma pessoa aos gritos.
Ao telefone ele diz que não esperava aquilo. Fala de um João, que talvez seja filho. Ou amante.
Moravam os dois em um prédio do centro da cidade. Ele, José, largou Laura após 10 anos de casados. A causa? Pedro. Moço ainda, estudante de Farmácia.
Após 3 anos de amor vivido, Pedro cai em desgraça com Laura.
Os amores são coisas mais clichês do que a palavra clichê. Se botam num filme tua história, alguém vai dizer:
- Aaaah, capaz que isso acontece.
A sorte é você estar na parada de ônibus quando um cara tenta atender ao telefone. E a ligação cai. Ele não retorna e ninguém mais liga.
O talento é você inventar pra ele uma ex, um marido e convencer todo mundo que não é louca.
Lemoskine

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

havia um sino
(havia)
enferrujado pelo tempo
ou pelas batidas

as pancadas de um coroinha louco
que apanhava do pai e descontava no sino

o sino e o menino
juntados numa foto
um gritava pelo outro

o sino parecia forte
de ferro, de aço
(não era)

às vezes se condoía pelo menino
mas apanhava tanto
(...)
que passou a querer que menino apanhasse também
e gritasse!
foi afogado depois de parido.
a mãe parecia mais triste que louca
(um caso de insanidade, diziam)

foi afogado em bacia de alumínio enquanto se debatia
urubus sobrevoavam a casa e o fogo

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

"Eu continuo com minha ignorância poética sem resolução, mas não posso dizer como antes que não entendo, eu sempre entendi, mas minha cabeça deve ser tão confusa que tem medo de se perder em poesias e por isto não me identifico, mas gosto de ler vc.
Saudades
Patty Squinello"


Patrícia Squinello é daquelas amigas que você pode demorar anos pra encontrar e o assunto vai sempre fluir. Como se tivessem conversado semana passada.
Gosto muito de saber como ela está, pois é um ponto paralelo a mim mesma.
Nos conhecemos numa parada de ônibus, no Acre. Uma de nós falou alguma coisa e a outra percebeu o sotaque.
- Você não é daqui, né? Puxa o rR.
Depois vimos que os nossos pais tinham uma história parecida. Amazônia. E irmão com mesmo nome.
A Patty sempre foi preto no branco, sem delongas. Falava na cara e pronto. Eu não. Sempre fui de escolher as palavras, a hora de dizer.
Ela virou Economista. E eu fui estudar Ciência Política, fazer movimento estudantil. A Patty com falas sobre o lucro, o mercado... Tão engraçado lembrar isso.
No Natal, nesse último Natal, fui ao Acre ver minha família. E no aeroporto de Brasília, dei cara com a Patty!
Ela ama morar no Acre, está casada, é a super gerente do banco.
Eu moro um país inteiro de distancia . Já morei em alguns cantos, tenho uns livros...
Esse texto está meio EMO, mas eu fiquei EMO por pensar que a filha da Patty está pra nascer. Pietra.
Um beijo pra Pietra, da tia que vai te contar ainda muita história.

domingo, 9 de outubro de 2011

rios de àguas barrentas turvam-se dentro das veias
um descompasso
uma aflição

calma
(calma não)
Eu te avisei!
...disse Mário com cara de Maria...
(como se houvesse menos multa
quando se buzina antes de passar o sinal)

Avisou sim é verdade,
mas queria não ser entendido.
Avisou só por desencargo.
E isso não conta.

Disse que o ipê floria,
que era amarelo e só.
Disse que era desse jeito todos os anos,
e que não pensava em mudar.

Mas o ipê muda Mário,
e sou eu
é que estou te avisando.

Há de nascer laranjas nele...

Se não nascer eu mesma subo
e prego umas garrafas de fanta.
Era Márcia. Não gostava do nome. Mas era o que tinha.
Tinha também um quadro cinza numa parede branca. Sentava no sofá e olhava pra ele.
Via nele cada caruncho. Comia sorvete com banana prata. Comia. Por que tomar era coisa de posse. Posse lembrava terra e terra, conflito.
Não gostava de conflitos.
Gostava de desenho animado e se machucava com freqüência. Sempre, na escada.
Morava no sótão por que era mais perto de deus. E deus não vinha muito por cá.
Era Márcia, a personagem da chuva. Não gostava do nome. Márcia. Mas era esse.
Cortava os pulsos e não morria, chorava e não via o mar . Dançava, sem ninguém cantar.
Se tivesse uma filha seria Elis.
Os cupins foram engordando no quadro. A parede começou a pulsar.
Sorria, com um pouco de medo.
Um dia, alguém do outro lado ouviu o barulho: thum! thum!
Veio ter com ela.
- Por que olhas tanto pra parede?
Sentada com um pedaço de tijolo na mão, deu mais uma mordida.
- É bonito, ver um coração não se abalar...
pode não inundar o mundo
mas há de nadar os peixes
do curta

procura-se uma escada em espiral, do tipo cinza.
os degraus devem caber os pés. os pés também devem entender de escada.
não podem ser pés que correm mais rápido que alcancem. mas devem sustentar os nós. os vícios.
procura-se uma sala branca. com paredes brancas e teto também.
precisa-se de um continuísta. e alguém que entenda de amor.
A pipoca ali, após o que era. Uma coisa de mato e passarinho, memória ininterrupta de si. Pipoca. Branca, comestível. Inútil e inventada. Gordurenta e maléfica. Disse o médico, um porco. De jaleco. Branco. Açougue, sangue, milho. Tudo ali remoído. A criança. Pai, me dá uma pipoca? Da grande. Criança, milho, pipoca inútil. Pai me dá uma pipoca? Branca. De sal. Doce não. Não era.
Eu queria fazer o que me pede
Pois tenho dessas coisas de agradar
O pai, a mãe, o menino
(O menino queria um passarinho)

O menino queria um passarinho
Pra modo de avoar
Comprou gaiola
Alpiste
(Botou água)

O menino olha o passarinho
O menino come alpiste
Pendura na grade
Da janela
(Do oitavo andar)
Bebe água no potinho
Música

Descobri um disco muito bom.
Engraçado que morava no Rio até uns dias atrás. E não conhecia esse artista: Cícero.
Não tenho TV. Na verdade, tenho TV. O que não tive foi tempo e vontade de assinar os canais.
"Viajo tanto. Corro tanto."
Daí que hoje é domingo e quis ver alguma coisa.
Não ter TV faz o ócio virar gavetas.

Me mudei. Tem dias que esqueço que mudei.
Gosto daqui, das pessoas e suas casas.
Gosto da idéia de começar outra história. De novo. Como se tudo fosse outro filme. Personagens.
Tem dias que me orgulho do meu desapego. Desse medo que tenho em não viver.
Coração e cara são feitos pra quebrar.

"...e então a vovó foi pra Bangladesh!"
E o menino alí, atento.

Quero ter netos. Filhos, acho que não.
Uma vez vim, de ônibus, do Acre pra Porto Alegre. Chegamos em Porto Alegre e acampamos!
O menino arregala os olhos.

O meu vizinho ouve música sertaneja e tem uma placa de cachorro. "Cão bravo"
Dia desses, fiquei no corredor mais um tempo pra ouvir o cachorro. Não latiu.
O meu vizinho houve música sertaneja, e finge ter um cachorro.

Gente é uma coisa besta.
do que vocês estão falando?
você consegue se ouvir?
(...)

as plantas estavam lá
e o caramujo
tem alguma coisa nos caramujos
vê?

é difícil não se perder
eu sei

há uma bússola no meu pescoço
como sino
como aqueles sinos que dão pras vacas

perdida no pasto uma vaca
tilim tim
tim lim tin lim lin
deita-se
e espera ser achada

você consegue se ouvir?
o sino?
o mundo não te ama
o mundo caga pra você

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Tem uns prédios na minha janela. O sol acorda e eles já estão lá. Todos os dias.
Há uma intimidade deles com a rua. Gasta.
A rua se gasta pelos carros passantes.
O que importa?
Janaina é a rainha do mar. Pedro, o cara que mereceu um livro. Não por ele ou pelos prédios parados na janela. Mereceu por ser tosco.
O blogspot tem essa antiguidade de quem não wordpress. Gastar-se não vale. E não ir?
Atravessa a galinha da rua. E parte. Cebola, Brasil, os Estados Americanos. Teus pratos. Qual sentido?
Deita-se na calçada enquanto um bêbado grita algum versículo! Crianças. Tão preocupadas com suas outras vidas.

domingo, 2 de outubro de 2011

há cacos por todos os lados
de vidro
de ferro
janela quebrada
copos partidos
... (como o teu coração)
me desculpe, me desculpe

é um jeito tosco, eu sei
mas um dia passa
eu sei que passa

há vidraças inteiras dentro de mim
e medo
mas, há cola meu bem
tudo sempre passa
canetas azuis e pretas
um lápis
uma mesa de zebra
oito paredes listradas

tv sem som
num rock
detestável

carros formigas
uma formiga
no décimo quarto andar
‎(há uma música na vitrola)

eu queria ter uma vitrola
e não um coração
vintage
eu queria ter uma vitrola
pois as vitrolas podem ser antigas
uma música velha
desliga-se
duelo com teus monstros
com capa e espada
vê?
há uma sutileza na angústia deles
estão mortos
duelo com teus monstros na repetição infinita do cadáver
pois é domingo
e não há nada de grave
todas as coisas importantes que você me disse
martelando aqui na cabeça infame
o abandono dos reinos conquistados
criança brincando porque deixam
(balanços)
estradas de enxada

todas as coisas infames que você me disse
são tuas
não tem um tempo, um marcador de tempo. ou tem?
acho que o marcador fica por conta.
um marcador louco decidindo tudo sozinho.

uma planta. com fungos pretos bonitinhos.
hoje é domingo e não tem show.

comecei a organizar as roupas. gosto dessas coisas de casa.
a mala por desfazer, a louça.

tenho andado tão preocupada em acertar.
faz uns mil anos isso.
do tempo que tinha cabelo azul.
(ou verde, como a planta de fungos pretinhos)

lembrei hoje do meu último trabalho e da importância que dei a ele.
sempre dou.

acho que vou sair.